Talvez não passe adequadamente percebido que Carl Rogers elevou a importante instância ética, e princípio político, e metodológico, a consideração pela pessoa, qua pessoa, política, e pela pessoa em sua ontológica fenomenodialógica. Não é pouco.

Ao lado de sua insistência na ação -- no poder naturalmente criativo, superativo, e regenerativo, da ação, à qual designa como tendência atualizante --, um dos aspectos mais básicos, e brilhantes, da concepção e da metodológica relação da abordagem rogeriana é a radicalidade de seu respeito incondicional pela pessoa. E pela ontológica compreensiva, e implicativa, da relação com a pessoa. Respeito este como constituinte de uma relação que metodologicamente potencializa a persistência na vivência fenomenodialógica da ação, a atualização, no modo de sermos de sua dialógica.

A concepção da consideração positiva incondicional pela experiência da pessoa é uma instância ética crucial, importantemente política, e metodológica. Ela implica, necessariamente, o respeito incondicional pela pessoa política, o respeito pela fenomenológica da relação inter humana, que implica o respeito à pessoa como outra, o respeito à pessoa como tu.

Respeito que só se dá, evidentemente, num reconhecer, e conhecer, a pessoa particular e fenomenológico existencialmente empírica, e dialógica, em sua alteridade. O modo próprio e específico do conhecer como acontecer; empático. O conhecer fenomenodialógico, e existencial, compreensivo, e implicativo. Numa palavra, o conhecer no âmbito compreensivo da momentaneidade instantânea da relação empática.

O que quer especificamente dizer: fenomenodialógica.

Empático quer dizer: no modo páthico de sermos. No modo de sermos do ‘pathos’. E o modo de sermos do pathos, além de fenomenológico, e ontológico, é própria e especificamente dialógico.

Muito equívoco em torno do conceito do termo pathos. Equívoco que se repete quase que maquinalmente. Ou até com pretensões a novidade.

Primeiro, é preciso considerar que o sentido do termo pathos que prevalece entre nós é o sentido Latino, Romano, da palavra. Que tem a ver com paixão, na verdade o excesso de paixão, como doentio, como sofrimento, como doença.

Originariamente, não obstante, no seu sentido Grego, anterior ao Latino, Romano, a palavra pathos não tem este sentido.

Mas refere-se à estética da sensibilidade emocionada. À estética da vivência fenomenológica, que é, propriamente, fenomenodialógica. Naturalmente motiva, emotiva, emocionada, e motivativa. O termo Grego refere-se, assim, à estética natural e intrinsecamente motiva, e emotiva, da vivência da ação, da atualização.

Empatia é, assim, a estética do pathos, a estética fenomenodialógica da vivência do modo ontológico de sermos da ação. Eminentemente compreensivo, e implicativo; naturalmente motivo, e motivacional; e originária e naturalmente tingido pela emoção ontológica.

A empatia -- como ontológica do modo fenomenológico e existencial de sermos, compreensivo e implicativo -- é eminentemente dialógica. De modo que é, em essência, na duração de sua momentaneidade instantânea, a relação com uma alteridade. Com a alteridade do tu.

Seja na esfera da relação com a natureza não humana, na esfera do inter humano, seja na esfera da relação com o sagrado.

 

Eminentemente empática, a condição da consideração positiva incondicional pela experiência do outro tem, assim, um profundo arraigamento dialógico, fenomenodialógico. Inter humano. Ontológico. E implica a compreensão profunda e radical de que, ao nível da vivência ontológica, pré-reflexiva, fenomenológico existencial, e dialógica, compreensiva e implicativa, a sua experiência e experimentação se dão como a dialógica da relação com a alteridade radical de um tu.

 

Enquanto alteridade (o caráter daquilo que é outro), na momentaneidade instantânea da duração da dialógica da relação eu-tu, o tu se dá em sua autonomia radical, como possibilidade, como desdobramento autônomo de possibilidades. Que é sempre cognitivo, e implicação da dialógica da relação, na pontualidade de sua momentaneidade instantânea.

Na dialógica da relação, não podemos, e não pode o eu, determinar o tu.

O tu se dá, sempre como devir da atualização de possibilidades alteritárias, que, continuamente, se produzem, no âmbito dialógico, cognitivo, da momentaneidade instantânea do modo de sermos de uma relação muito peculiar – a relação eu-tu (Buber).

Que, em termos de vivência fenomenológico existencial e dialógica, compreensiva e implicativa, gestaltificativa, dá-se como projetação cognoscente do desdobramento de possibilidades, como desdobramentos de forças plásticas, plastificativas.

E que não é, como modo de sermos, como vivência, da ordem do modo de sermos da dicotomia sujeito-objeto. Modo de sermos da ação, modo de sermos do ator, do acontecer; diferente do modo de sermos, acontecido, do espectador – no qual se constituem sujeito e objeto, e a sua teorética dicotomização.

O acontecer da dialógica da relação eu-tu não é, portanto, e por isso, da ordem da teorética; nem da ordem do moralismo. Igualmente, não é da ordem das relações de causa e efeito; nem da ordem da utilidade; não é da ordem da técnica. Nem mesmo, como vivência, da ordem da experiência da realidade -- uma vez que a experiência da realidade é da ordem do acontecido, e a vivência do acontecer fenomenológico existencial e dialógico, compreensivo e implicativo, gestaltificativo, é em específico o acontecer. Da ordem da verdade, como nos mostra Heidegger, que é o acontecer; mas não da ordem da realidade, que é o acontecido.

 

A consideração positiva incondicional pela experiência do outro é condição, assim, da relação fenomenodialógica com o outro na momentaneidade instantânea de seu acontecer ontológico.

De modo que, no âmbito da momentaneidade instantânea da relação eu-tu, não posso determinar o tu. Que é um foco autônomo de produção de sentido (Husserl). Sentido dele próprio, e o próprio processo de geração e de constituição de sentido que se desdobra como a dialógica da relação.

Além do que, sobretudo, como enfatiza Buber, o tu não é objeto. Em nenhuma circunstância o tu é objeto. Nem sujeito (da mesma forma que o eu não é sujeito, mas, como o tu, projeto, projetação do desdobramento de possibilidades, projeito). Projeto, projetação que se desdobra enquanto vivência como impulsão do desdobramento de possibilidades, no âmbito da momentaneidade instantânea da dialógica da relação. O tu não é objeto de um sujeito, eminente e especificamente espectador; mas parceiro intrínseco da momentaneidade instantânea da dialógica da ação, inter ação, do ator.

Em não sendo objeto – nem o eu sujeito --, o tu, como o âmbito da própria relação eu-tu, não teorético, não é conceitual, mas intensional, pré-conceitual, compreensivo, e implicativo. Além de dialógico, naturalmente.

Estão, o tu, e a própria relação eu-tu, fora do modo teorético de sermos da moral e do moralismo. Estão fora do modo de sermos da causalidade, das relações de causa e efeito; fora do modo de sermos da técnica, da utilidade, da realidade – como características próprias do modo acontecido de sermos.

Já que o modo dialógico de sermos é da esfera do modo de sermos do acontecer. Cuja vivência caracteristicamente se dá fora do modo teorético de sermos, do modo de sermos do sujeito e do objeto, e do modo de sermos da própria dicotomia sujeito-objeto; fora da causalidade, fora do explicativo modo de sermos da ciência explicativa. Fora da utilidade; e, como acontecer, fora da experiência acontecida da realidade.

 

Mas, dentre as peculiaridades do âmbito do modo de sermos do acontecer da dialógica do eu-tu, está a de que esta esfera, ainda que autônoma e afirmativa, carece da afirmação, afirmação da afirmação, por seus partícipes.

O eu-tu, o eu, e o próprio tu, carecem e demandam afirmação recíproca, para se desdobrarem.

De modo que só existe relação na afirmação da dialógica. Só existe dialógica na afirmação do tu – do eu e do tu, da dialógica do eu-tu.

Quando há uma recusa à afirmação do tu, à afirmação da relação eu-tu, a própria relação eu-tu se desvanece, e escoa momentânea e instantaneamente no sentido do modo eu-isso sermos, objetivo, e coisificado.

De modo que podemos explicarmo-nos – des-implicarmo-nos --, com relação ao tu. Podemos extinguir a momentaneidade instantânea da perduração do evento da relação eu-tu... Mas não podemos determinar a alteridade e a geração alteritária do tu, e dos seus sentidos. Da mesma forma que não podemos fazê-lo com relação ao próprio eu, que se confronta com o tu de si mesmo... Assim como não podemos determinar a alteridade e a geração alteritária das possibilitações e dos sentidos da própria relação eu-tu.

 

Daí a ontológica instância ética, o princípio político, e o princípio metodológico fenomenodialógico da consideração positiva incondicional pela experiência do outro na relação inter humana. Como uma conditio sine qua non da dialógica.

Como afirmação da presença alteritária da pessoa do outro, e do tu, E da própria relação eu-tu, na fenomenodialógica do encontro.

 

A instância ética e o princípio, político, e igualmente metodológico, da consideração positiva incondicional têm a sua importante e fundamental implicação política.

A consideração e a aceitação, a celebração mesmo, da pessoa política, qua pessoa – que era muito comum à abordagem rogeriana -- em sua alteridade. Como pessoa, a pessoa é digna de um respeito e de uma consideração positiva e calorosa. Isto é um princípio ético e político de respeito pela pessoa como pessoa. Não envolve nenhum tipo de aceitação ou aprovação. Mas é um princípio de consideração positiva pela pessoa genérica que se particulariza e encarna na pessoa empírica.

Há confusão quando se mal entende a instância ética e o princípio político e metodológico da consideração positiva incondicional como um princípio moral. Não o é. É uma instância ética e um princípio de respeito e consideração, e mesmo de celebração, pela pessoa genérica que se particulariza na pessoa empírica.Só isso. E não é pouco. E não um pricípio moral, um tipo de aceitação moral do que quer que seja da pessoa particular.

Princípio ético, político e metodológico a consideração positiva incondicional pela experiência do outro estabelece que inclusive, e em particular, o excluído e oprimido, é sempre outro, ontologicamente outro, inteiramente outro, e inteiramente hábil, eticamente hábil, para o encontro dialógico. E que, mesmo enquanto outro com o qual não interagimos, sua pessoa enquanto pessoa genérica e particular merece um respeito, e uma celebração, incondicionais. E merece ser respeitada enquanto outro em sua alteridade, que só pode ser devidamente tratada, apreciada, descoberta, e criada, no âmbito dialógico da relação inter humana propriamente dita.

Numa república incompleta (Raimundo Faoro) como a nossa, derivada de intensos processos coloniais da história da humanidade, que resultaram e resultam na escravização e na submissão de povos, cujos descendentes se constituem como as maiorias oprimidas e excluídas de nossos cidadãos, alteritários sempre; numa república incompleta, na qual medrou e medra como erva daninha, ou como um processo degenerativo, a gênese deficitária ou a deterioração social de uma instância ética e política radical de respeito para com a pessoa, e para com a própria vida – ética e princípio político que na prática, de modo tácito, não valeriam para a maior parte da população, as classes despossuídas; em verdade não valem para ninguém; – numa república incompleta na qual, inclusive, a Psicologia e os psicólogos frequentemente assumem uma cínica e tácita negação do respeito e da própria condição humana da alteridade do oprimido e excluído, e negam ideologicamente a própria realidade social e histórica do oprimido e excluído; o princípio ético, político e metodológico da consideração positiva incondicional, e sua reiteração e afirmação, ganham uma importância ética, política, metodológica e humana fundamentais.

É com relação à pessoa genérica, com relação à pessoa política em sua alteridade; é na ontológica da relação dialógica com a pessoa ontológica, empírica, fenomenodialogicamente empírica, não teorética, nem explicativa, é na implicação que se impõe os princípios éticos, políticos e metodológicos, da consideração positiva incondicional pela experiência do outro.

Devemos a Carl Rogers a afirmação e a reiteração desta instância ética, deste princípio político, e deste princípio de método fenomenodialógico e implicativo, no âmbito tão alienado e ideologicamente comprometido e ruinado da Psicologia e da Psicoterapia.

 

 

 




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