A genuinidade do psicólogo, do psicoterapeuta, do pedagogo, do facilitador de grupos, é uma das condições metodológicas da abordagem rogeriana. A genuinidade, não tem aqui um sentido moralista, ou metafísico. Igualmente, não tem o sentido de uma consonância com uma suposta vida interior.

Ao nos relacionarmos inter humanamente, dialógicamente, com o outro, somos constantemente outros. O modo dialógico de sermos, fenomenológico existencial, é o modo de sermos em que na relação com o outro somos constantemente outros. Outros com relação ao(s) parceiro(s) da relação. E outros com relação a nós próprios, com relação ao passado de nós próprios, já que o modo fenomenológico existencial, e dialógico, de sermos é o nosso presente, a nossa presentidade. Modo de sermos do presente, caracterizado pela vivência do desdobramento de possibilidades que é a ação. Cuja atualização implica na constante emergência e atualização da outridade de nós próprios.

A originalidade, a genuinidade, a autenticidade de nós próprios, nós outros, portanto, não está na mesmidade de uma identidade. Não está na mesmidade de uma identidade com o passado de nós próprios.

Na condição do passado de nós próprios -- a condição específica de ente, de coisa, impotente, sem forças/possibilidades --, cada vez mais nos angustiamos, como observava Heidegger.

E a própria angustiação nos conduz, da condição de ente -- de coisa, impot-ente --¸ à condição originária e ontológica de pré-ente. Da condição de ente, ao pré-ente, à pré-ença. À presença. Ao não só fenomenológico, mas ontológico modo dialógico de sermos, do presente: o modo fenomenológico existencial e dialógico de sermos, compreensivo e implicativo; gestaltificativo.

Que é -- todo ele, na constatação de Buber --, atualidade. Atualização. Ação. Todo ele ação, na momentaneidade instantânea da eventualidade de sua duração, como duração da vivência fenomenológico existencial do desdobramento de possibilidades.

Isto quer dizer que é todo ele, este modo ontológico de sermos, vivência de forças, vivência de possibilidades, que se desdobram em ação. É todo ele -- o modo fenomenológico existencial e dialógico de sermos, compreensivo e implicativo, gestaltificativo -- desdobramento cognitivo, consiência pré-reflexiva, fenomenal, de forças, da vivência do desdobramento de possibilidades, ou seja, ação. Atualização.

As possibilidades, as forças que se dão em nossa vivência ontológica, fenomenológica, dialógica, de ser no mundo, continuamente emergem, e se desdobram, fenomenológico existencialmente; e são sempre radicalmente outras e inéditas, infinitamente outras e inéditas, as forças que constituem a nosas vivência ontológica.

A figurarem gestaltificativamente, e, na ação, a configurarem o nosso devir, a nossa superação, e o sujeito no qual continuamente nos constituímos, junto com o mundo que nos diz respeito.

Diferentes, diferenças, inéditas as possibilidades, somos sempre outros, ao atualizá-las, ao desdobrá-las vivencialmente, fenomenológico existencialmente, ao agirmos. Inéditos.

De modo que a originalidade ontológica de nós próprios, nossa genuinidade, nossa autenticidade, é, sempre, fenomenológico existencialmente, a orginalidade e a autenticidade de, como atores, sermos recorrentemente e constantemente outros.

Ser ator, agente, é ser outro (Mafffesoli), ser outro é ser ator. É ser ação, como vivência fenomenológica do desdobramento de possibilidades.

É esta a nossa cíclica, renovativa e regenerativa, originalidade. A nossa cíclica e renovativa genuinidade e autenticidade. A autenticidade de sermos constante, cíclica, renovativa, e regenerativamente, outros.

É a presença da genuinidade desta outridade, característica da vivência do modo fenomenológico existencial e dialógico de sermos -- compreensivo e implicativo, gestaltificativo -- que se constitui como uma das condições da metodológica fenomenológico existencial da abordagem rogeriana.

Desnecessário dizer que, como no caso das demais condições da metodológica da abordagem rogeriana, existe uma fundamental meta condição das condições metodológicas. Que é a da aquiescência com a momentaneidade instantânea da vivência do modo fenomenológico existencial e dialógico de sermos, compreensivo e implicativo, gestaltificativo. Uma aquiescência com o modo cognitivamente ativo, especificamente atualizativo, de sermos.

Na vivência deste modo ontológico de sermos é que podem, sine qua non, deitar raízes, na momentaneidade instantânea da relação, e frutificar, não só a empatia e a consideração positiva incondicional -- que, junto com a genuinidade, formam o conjunto de condições metodológicas formuladas por Carl Rogers --, mas a própria ação, a própria, atualização, a própria tendência atualizante. E mesmo, naturalmente, a própria tendência formativa, como característica especificamente gestaltificativa da ação, como característica especificamente gestaltificativa da tendência atualizante. Enquanto processo formativo de coisas, na duração da vivência fenomenológico existencial de formação de figuras e fundos da ação, da atualização, da tendência atualizante.

Naturalmente que medra todo tipo de distorções improdutivas com relação à noção de genuinidade da abordagem rogeriana – assim como com relação às outras de suas noções.

Com relação a uma noção de genuinidade, naturalmente, as fáceis e explicativas interpretações moralistas e metafísicas ganhariam uma predominância. Estas interpretações contradizem uma noção fenomenológica de genuinidade. Na medida em que se afastam da premissa básica da genuinidade fenomenológica e existencial, que é a vivência, que é o modo fenomenológico de sermos, a afirmação do modo fenomenológico e existencial de sermos. Físico, e nunca metafísico. Ético, estético, poiético, e nunca moralista...

Para privilegiarem o modo conceitual, o modo reflexivo, metafísico, explicativo, não implicativo, nem compreensivo, de sermos.

Reduzindo a genuinidade a uma identidade com um modelo ideal, teórico, conceitual. Explicativo. Acontecido. Não fenomenológico, nem existencial... Desconsiderando a genuinidade como a presença da vivência do desdobramento cognitivo do possível. Que chamamos de ação, de atualização.

Ou, de modo inconsistentemente objetivista, tratando de reduzir a genuinidade às expressões de uma ‘vida interior’.

Vida interior inexistente, em termos existenciais. Na medida em que, como nos adverte Nietzsche, a existência não tem dentro. E toda vida interior é doença...

A existência é a projetação, o pro-jeto (jato), projatação, da insistência (eksistencia ontológica). Ou seja, a vivência, pré-reflexiva, pré-conceitual, fenomenológico existencial, e dialógica, compreensiva, e implicativa; o movimento, a moção, e-moção, e motiv-ação, como pressão, ex-pressão, do desdobramento pré-reflexivamente cognitivo das forças que são as possibilidades.

As possibilidades emanam projetativamente, ex-pressivamente, do Ser. E se constituem em nossa vivência de ser no mundo. Na qual não se distinguem ainda sujeito e objeto, interior e exterior. Tal é a inconsistência da ideia de uma vida interior como fonte de nossa verdade, de nossa originalidade, de nossa genuinidade, de nossa autenticidade... Ontológicamente, não somos uma vida interior. Nossa originalidade e nossa autenticidade não está numa suposta vida interior. Numa suposta interioridade.

Referindo-se à interiorização, bem humorado, Nietzsche diria antológicamente, sobre o caráter reflexivo da vida interior -- na miríade de suas frases antológicas:

Cuidado! Ele está a refletir. Vai defender a sua mentira... kkkkk (sorry)

Em momentos diversos também Rogers e Perls dizem frases antológicas. Em que, por pouco, mas com graves implicações ontológicas e epistemológicas, erram na forma. Nas palavras:

Rogers diria: Os fatos são amigos.

Como era bôbo, meus deuses...

Não, não, Rogers!!!

Os fatos não são amigos!!!

Os fatos são fatos. E são especificamente feitos, viu?

E são amigos se, na performance do seu perfazimento, competentemente, damos tempo à ação do possível para fazê-los assim. Mas de qualquer forma, é inexorável, os fatos não são amigos, além da possibilidade de celebrá-los como bem feitos, bem fatos.

Além disso, os fatos são fatais. Fatídicos. Fatalidades... Além disso, a própria fatalidade (Buber).

Da qual temos que nos livrar, nas asas da alegria, da tristeza, ou da angústia... Para retornarmos ao modo de sermos do eterno retorno do possível, ao modo de sermos do eterno retorno da vontade de possibilidade, da vontade de tudo – tão diferente da vontade de nada que é o niilismo, que impera na fatalidade e no fatalismo dos fatos.

Não, os fatos não são amigos.

Retornados ao modo de sermos do eterno retorno do possível, já não estamos mais no domínio dos fatos, do feito, da fatalidade. Mas, mais uma vez, viajamos na potência das velas do possível. Do desdobramento de possibilidades...

Já não estamos mais no domínio dos fatos, mas no âmbito dos atos. No âmbito próprio da ação, da atualização. Que continuamente nos gera e regenera, como constantemente possíveis, como constantemente outros, como constantemente atores. A fonte da possibilidade, da genuinidade da outridade, da outridade da genuinidade, a fonte de nossa originalidade, de nossa genuinidade, de nossa autenticidade.

Outro que pensaria que perdeu um bom momento para ficar calado foi Fritz Perls. Quando pronunciou uma de suas frases mais geniais – se entendermos, como a Rogers, para além das palavras. Perls disse:

O núcleo do real é a ação.

Que nada, Perls...

O núcleo do real é apenas a realidade. A real ordem do rei.

Senhor rei mandou dizer...

O acontecido, o passado, a coisidade, o impossível, o impotente, o fato, a fatalidade, a explicação...

Mas, entendemos que não foi isso que você quis dizer, apesar de se embananar nas palavras... Entendemos que, na verdade, você quis dizer:

O núcleo do verdadeiro é a ação.

Aí está o caráter genial de sua frase. Que o coloca no nível dos grandes e patéticos ontologistas e epistemólogos do século XX... E você entendia muito bem o que era isso, e o que isto queria dizer...

Há uma distância de mundos entre a realidade e a verdade...

Na verdade, apenas, uma distância entre modos de sermos. O modo de sermos da realidade não é o modo de sermos da verdade. O modo de sermos da verdade é o modo ontológico de sermos, fenomenológico existencial e dialógico, compreensivo e implicativo, gestaltificativo. Especificamente o modo de sermos do acontecer.

O modo de sermos da realidade, como o nome indica, é o modo de sermos do acontecido, da coisa, do fato; e, no seu abuso, droga pesada, na hiper realidade, o modo de sermos da angústia, do fatalismo e da fatalidade, da impotência progressiva, da morte – a possibilidade da impossibilidade de toda possibilidade... Como dizia Heidegger.

De modo que Perls queria, evidentemente, dizer: o núcleo do verdadeiro é a ação.

Assim como Rogers queria dizer: os atos são amigos.

Amicíssimos, generosos, misteriosos, dádivas. Misteriosamente generosos, e dadivosos. Nietzsche já diria: a ação é um mistério...

O próprio possível, a força da possibilidade Não é à toa que se chamam de presentes.

E uma das dádivas generosas do modo de sermos dos atos, da ação, da atualização, fenomenológico existencial, compreensiva e implicativa, é que, própria e especificamente, ele é dialógico. Ou seja, ele é, também, o modo de sermos do compartilhamento (dia) do sentido (logos). O modo de sermos no qual compartilhamos sentido (logos) com o sagrado, com a natureza não humana, e com os outros seres humanos, no inter humano.

Uma das dádivas generosas do modo de sermos dos atos, do modo de sermos de nossa genuinidade, é que ele é o modo dialógico de sermos, no qual compartilhamos o processo poiético de produção de sentido, com os outros seres humanos, com a natureza não humana, e com o sagrado.

A última fase da vida do Rogers, a dos grandes grupos vivenciais, a partir de 1974, é fase de uma interessante e impressionante radicalização fenomenológico existencial. Digo do ponto de vista vivencial, ontológico, epistemológico, e metodológico. Toda a demanda existencial dos anos cinquenta e sessenta parece ter explodido dentro dos laboratórios do Dr. Carl Rogers. Principalmente na vivência, concepção e método dos grupos vivenciais. Os paz e amor da era hippie eram agora Phds. E, frequentemente, muito pouco convencionais... Dr. Rogers, inclusive, frequentemente assumia ares de um avôzinho degenerado...

Foi uma fase intensamente vivencial, e não teorética. E não resultou num movimento coletivo de teorização das importantes aprendizagens que se deram naquele período experimental. Foram formulações experimentais, e aprendizagens, muito importantes. Para todo o paradigma da abordagem rogeriana, para a concepção e método do trabalho com grupos, para a concepção e método da psicoterapia fenomenológico existencial, para a psicoterapia em geral, e para a ontológica, epistemológica e metodológica de uma ciência ontológica, epistemológica e metodológicamente compreensiva, e implicativa. Superando ousadamente, na ação, os estreitos limites do paradigma da ciência explicativa, no que concerne ao trato com as pessoas e com os grupos.

Isso não é pouco. As histórias futuras da Fenomenologia existencial, da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, as histórias futuras da Ontologia e da Epistemologia da ciência compreensiva, terão, sem dúvidas, que mencionar as experiências e experimentações rogerianas, principalmente no que concernem aos trabalhos com grupos.

Pela experimentação e aprendizagens desta época, fica claro que as condições terapêuticas formuladas originalmente são, na verdade, características, ou dimensões de uma metacondição específica. Que é a subsunção epistemológica e metodólogica delas a uma fenomenológica, a uma dialógica, a uma ontológica.

Ou seja, as condições terapêuticas, pedagógicas, e facilitadoras preconizadas originalmente subsumem-se em uma epistemológica fenomenológico existencial, e são, na verdade, aspectos e dimensões da vivência fenomenológico existencial e dialógica, compreensiva e implicativa, gestaltificativa. Assim o são, própria e especificamente, a empatia – a compreensão empática, que é uma designação redundante, uma vez que toda compreensão é empática, e toda empatia é compreensiva... --, a consideração positiva incondicional pela experiência do cliente, e a genuinidade do terapeuta.

Assim, quando se trata de genuinidade, não se trata da fidelidade a uma vida interior, introspectiva, subjetiva ou objetiva, explicativa e teorética. Mas a abertura, como dizia Heidegger, da liberdade para verdade do vivencial, no âmbito da dialógica de uma relação fenomenológico existencial, compreensiva, implicativa, gestaltificativa.

Num primeiro momento, desenvolvendo uma Psicologia e uma Psicoterapia da relação. Carl Rogers tentava superar a neutralidade, objetividade e frieza de uma postura técnica, de uma postura cientificamente explicativa. Desde o início, Carl Rogers entendeu perfeitamente, que, em se tratando de gente, uma ontologia, uma epistemologia, uma metodologia, uma ética, explicativas não atenderiam às demandas da condição humana. Por isso que tratava-se de abrir mão, enquanto postura metodológica, da fatalidade e do fatalismo, da artificialidade, da explicação; e abrir caminho para uma ontológica, para uma epistemológica, para uma metodológica, para a ética de uma ciência própria e especificamente compreensiva, e implicativa.

Esta, própria e especificamente, fenomenológico existencial e dialógica, compreensiva e implicativa, gestaltificativa, só faz sentido no âmbito de uma genuinidade. Que termina ficando clara, posteriormente, como a genuinidade da verdade da abertura vivencial, que é toda ela a cognitiva fenomenológico existencial da ação, do desdobramento de possibilidades.

Carl Rogers quer abrir mão do engessamento explicativo do institucional. E entende que, para além do institucional, para aquém da explicação, existe a possibilidade de relações inter humanas, implicativas, dialógicas, compreensivas, fenomenológico existenciais. Que reconhecem, e afirmam o institucional. Mas que o têm como chão, e não como teto, como limite. De modo que não vê mais como necessário a crônica definição, e a crônica limitação da relação ao explicativo e ao institucional. Na verdade, passa a ver a necessidade de superação dessa limitação ao engessamento institucional e explicativo da relação entre psicólogo e cliente, entre terapeuta e cliente, ente facilitador e grupo, entre professor e aluno... A definição da genuinidade, e de sua importância como elemento ético e metodológico, surge neste contexto.

Para além da superação da relação institucional, há a necessidade de franqueza por parte do psicólogo, do pedagogo. E não só a franqueza, num sentido moral, mas as próprias condições de ser franco, e engajar-se no que Buber define, no Do diálogo e do dialógico, como conversação genuína. Ou (op.cit) como a abertura, em detrimento da imposição, enquanto modo de relação.

Rogers teorizará sobre a genuinidade do terapeuta a partir de sua teoria do fluxo da experiência[1]. A genuinidade é então o estado de acordo do terapeuta... Uma teoria útil e interessante durante um certo momento. Mas bastante precária do ponto de vista teórico e epistemológico.

Depois das avassaladoras experiências, experimentações, e aprendizagens com os grupos vivenciais, que já não são mais os Grupos de Encontro, é que podemos entender que a genuinidade, como as outras condições da metodológica da abordagem rogeriana, na verdade são elementos de uma condição maior, à qual se subsumem: a ética ontológica fenomenológico existencial, a metodológica epistemológica da vivência da ação, da atualização, fenomenológico existencial e dialógica, compreensiva, implicativa, gestaltificativa.

De modo que a genuinidade é a genuinidade da ação. A genuinidade do modo ativo de sermos, do modo afirmativo de sermos. A genuinidade de sermos outros. Em particular porque é só a duração na insistência, no modo de nos atualizarmos como outros, que nos permite a vivência da duração na dialógica inter humana, na qual é possível inter agir com a outridade do outro. E com a de nós próprios.

Genuínos sejamos, é a consigna do método.

Mas não reflexivamente, não conceitualmente, não teóricamente, não explicativamente, não moralisticamente, não fatalísticamente, não realísticamente, não na identidade do mesmo.

Mas genuínos na momentaneidade instantânea fenomenológico existencial da vivência da ação, da vivência fugaz e duradoura da condição do ator, que se confunde com a condição de ser outro.

BUBER, Martin Eu e Tu.

                        - Do Diálogo e do Dialógico. 
HEIDEGGER, Ser y Tiempo.

MAFFESOLI, A Conquista do Presente.

NIETZSCHE, Assim Falava Zaratustra.

PERLS, Fritz Gestalt Terapia.

ROGERS, Carl Tornar-se Pessoa.

                        - Psicoterapia e Relações Humanas.



[1] ROGERS, Carl Psicoterapia e Relações Humanas.






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